quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Banditismo por uma Questão de Classe*

Num mundo cercado por miséria e violência nasceu o Cangaço

As origens do Cangaço como fenômeno social que alastrou o nordeste Brasileiro, particularmente a região do sertão, tem influência da forma como foi colonizada nossas terras. Com a expulsão dos índios e a escravidão indígena e negra, veio a colonização com as lavouras de cana na região mais próxima do mar e mais tarde as fundações das extensas fazendas de criação de gado, hoje chamadas de latifúndios, nas regiões mais afastadas do litoral. O clima de violência é marcado não só desse tempo, mais também após a escravidão, quando os pobres se veem desprovidos de terra, vivendo num ambiente cercado pela miséria e pela violência dos coronéis e do Estado.
A falta de perspectivas de vida, em um ambiente cercado de violência de todos os tipos, bem como a cultura de honra e orgulho que foi gerada no povo do sertão, são alguns fatores que levaram muitos homens a entrar na vida do banditismo.
O cangaço foi um tipo de banditismo que se iniciou por motivos de vingança entre famílias, incluindo as das próprias elites por divergências políticas, questões de herança, salvaguarda das terras etc. Alguns cangaceiros eram pequenos proprietários, mas é entre o povo pobre que ele irá florescer com mais força. Existiram cangaceiros que faziam serviços para fazendeiros, coronéis e políticos. Outros eram levados a vida bandida por iniciarem brigas e nunca mais poderem voltar para suas antigas vidas, sendo perseguidos pela família rival, por capangas ou mesmo pela polícia. Mas é quando o cangaço passa a ser meio de vida, uma profissão, que vai se tornar o fenômeno que ouvimos falar em nossos dias.

Lampião e Corisco

O cangaço se torna meio de vida com Virgulino Ferreira (O Lampião), o cangaceiro mais conhecido e temido do sertão.
Conta a História que, ao se meter numa briga de famílias, Virgulino fugiu de Pernambuco e veio para a cidade de Água Branca em Alagoas. Por volta de 1920, ainda nessa cidade, ele decide se tornar cangaceiro para sempre, após participar de um grupo de cangaceiros e assumir sua chefia e depois formar seu próprio cangaço. Lampião e seu bando retorna a Recife e sai por vários estados do nordeste, roubando e causando temor e respeito por onde passava. Lampião foi temido por muitos coronéis, que até então eram a lei e a justiça no sertão nordestino.
Lampião e seu bando ditavam as regras por onde passavam e organizaram um poder paralelo ao do estado, ficando conhecido não só no nordeste, mas em todo o Brasil, com sua fama causando repercussão até internacional. Ele foi chamado de “Rei dos Cangaceiros” e até de “Governador do Sertão”.
Outro cangaceiro famoso foi o Alagoano Corisco, que havia participado do bando de Lampião e por divergências com esse, formou o seu próprio grupo. Eles continuaram amigos e tratavam-se como compadres. Seus grupos se encontravam em algumas ações e faziam festas juntos.
Cristino Gomes da Silva Cleto nasceu em 1907 em Matinha de água Branca/AL. Em 1926 resolve entrar para o cangaço, quando recebe o nome de Corisco por causa de sua rapidez. Corisco também ficou conhecido como o “Diabo Loiro”. Era tão temido quanto Lampião. Conta a História que quando Corisco soube da morte de seu compadre Lampião, ficou louco por vingança e foi buscar o suposto assassino cortando a sua cabeça e a mandando as autoridades.
Quando Lampião e seus cangaceiros foram assassinados, no ano de 1938, suas cabeças foram expostas na escadaria da cidade de Piranhas/AL, depois as autoridades as levaram em cortejo por varias cidades até Maceió e finalmente foi levada para Salvador, onde ficaram expostas até o ano de 1969, quando foram então sepultadas por pressão das famílias dos cangaceiros.
A morte de Lampião e depois a de Corisco em 1940, marcam o fim do cangaço.

Maria e Dadá

O cangaço, que se iniciou no final do sec. XIX e começo do século XX, só permitiu a entrada de mulheres no ano de 1930. Essa participação começa com Maria Bonita, companheira de Lampião e depois com Dadá, companheira de Corisco. Foram as cangaceiras mais destacadas, não só por serem companheiras dos dois maiores cangaceiros, mas por suas personalidades fortes. Maria e Dadá foram duas guerreiras que pegaram em armas e também saíram fazendo justiça pelo sertão.
Com a entrada da mulher, o cangaço começa a se modificar, ficando menos sanguinário pela sua influência e mais cauteloso pois chegavam também os filhos e se organizaram como grandes famílias.
Outras cangaceiras conhecidas foram Inacinha, Sebastiana, Cila, Lídia e Neném do Ouro.
A cabeça de Maria Bonita também foi decepada e exposta junto com as dos cangaceiros do bando de Lampião. Dadá sobreviveu a emboscada que matou Corisco e contou sua História vivida no cangaço até o ano de 1994 quando faleceu.


Banditismo por Uma Questão de Classe...

São muitas as pessoas que admiram a história do cangaço, mesmo não concordando com tudo o que era feito. Lampião e o cangaço são relembrados, na literatura de cordel, no artesanato, em músicas e diversos filmes. O cangaço foi mais um episódio na História do Brasil feito pelos oprimidos, que desafiou o poder das elites e fez justiça com as próprias mãos. Mas não se pode reivindicar tudo. A violência e o ódio gerado nos cangaceiros muitas vezes chegavam a ceifar vidas de pessoas inocentes. O estilo sanguinário desses também não pode ser visto como modelo de nossas lutas hoje. E também eles não se propunham a isso. Os cangaceiros não queriam mudar de fato a estrutura social, mas apenas ter uma vida melhor pra seus bandos
Outra coisa é que apesar do cangaço ter se tornado um rival dos grandes proprietários de terras, os cangaceiros sempre mantiveram relações com fazendeiros e políticos, com o intuito de manter influência por onde passavam. O que fazia com que alguns grupos das elites se beneficiassem das ações dos cangaceiros.

Apesar de tudo isso, os cangaceiros devem ser relembrados, pela valentia em enfrentar os poderosos. A violência das elites ainda não acabou, no sertão ainda impera o coronelismo e o latifúndio. A terra continua mal distribuída e reina a pobreza e a cultura do medo. Felizmente, temos a luta dos movimentos sem terra, que desafiam os coronéis, de maneira diferente do cangaço, mas que traz esperança de dias melhores para o povo. Reinventar cangaços é preciso! Um cangaço que mude a estrutura social que vivemos. Um banditismo por uma Questão de Classe.

BANDITISMO POR PURA MALDADE
BANDITISMO POR NECESSIDADE
BANDITISMO POR UMA QUESTÃO DE CLASSE!!
(Chico Science & Nação Zumbi)




*Disponível na versão impressa do periódico popular Quilombola, distribuído na Zona Sul de Maceió/AL, Out-2011.


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